quarta-feira, 10 de junho de 2009

MINHA CARREIRA BATEU NO TETO.

Fui chamado pelo Papa para, junto com a minha equipe, pintar o teto da Capela Sistina. Fomos até o local e pude ver que era trabalho pra caramba. O Papa expôs o que queria, que motivos imaginava ali. Deu um prazo ridículo para ser executado – coisa para a qual já estamos acostumados. Eu notei que Sua Santidade estava um pouco desconfortável. Parecia que ele queria me pedir algo um pouco fora dos padrões. Tomei coragem e o abordei:

– Santo Papa, essa é uma obra de encomenda, e as vaidades artísticas são deixadas de lado. Peça o que quiser e nós executaremos.
– Sabe o que é, Mi (já estava íntimo), são tempos difíceis. Crise internacional, perda de fieis. A gente não está com essa verba toda para esse teto. Veja bem: para ter o seu talento aqui, precisamos fazer algumas concessões.

Senti que o discurso dele não estava muito católico.

– Prossiga, Papa.
– Nós vendemos algumas cotas do teto para alguns patrocinadores.

Fiquei tão espantado que comentei sem me dar conta:

– Mas que pecado!
– Eu sei, Mi. Entenda que não está fácil arrecadar dos fieis o dinheiro necessário para manter o Vaticano. Já viu como isso aqui é grande? De mais a mais, hoje tudo é mídia. Milhares de pessoas entrarão nessa capela só para olhar para cima. Numa época de tanta dispersão, qual anunciante não gostaria de ficar um pouco em evidência?
– De que maneira esses patrocinadores apareceriam na pintura? Em que locais? – perguntei.
– Depende da cota fechada. Logotipo entre os dedos de Adão e Deus é a cota master. A cena do pecado original vendemos para uma marca de roupas. Você sabe como esse pessoal da moda gosta de nossos símbolos. Eva terá que aparecer de jeans, o que não fará muita diferença. Ela está senda expulsa do paraíso, mesmo. É melhor se cobrir.

Aceitei o job. Vou até o final, nem que eu tenha que fazê-lo sozinho. Não sei se com essas concessões minha pintura figurará entre os grandes patrimônios da humanidade. Mas que a vernissage de abertura vai ter comida boa e enorme divulgação, isso vai.

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